De modo geral, a arte faz pensar. Desconstrói verdades pré-estabelecidas, traça novos caminhos, faz o ser humano olhar para sua existência com outras lentes. E isso é transformador e perigoso. Sucatear a cultura sempre foi uma das estratégias de manipulação de uma sociedade. Em tempos difíceis, como os que estamos vivendo ultimamente, o teatro pode (e deve) ser uma ferramenta importante para a construção de um pensamento crítico.
Como fazer isso dentro da escola? Como propor um teatro que faça sentido para as crianças? E qual é o meu papel, enquanto professor, para a construção de uma autonomia criativa?
A partir das minhas experiências, listarei alguns pontos que considero importantes para o desenvolvimento de um trabalho cênico dentro da escola.
Ouvir as crianças
Acredito que a primeira atitude a ser tomada é ouvir as crianças. Apurar os ouvidos para captar o que elas têm para propor (pois elas têm muito a propor). Já se foi o tempo em que se acreditava que as crianças iam para a escola apenas para assimilar; é na troca que se dá a relação e o aprendizado. E dentro da escola, se não há trocas sinceras entre mediador e aluno, a coisa já começa errada. Valorizar e dar espaço para que a imaginação das crianças possa fluir de maneira natural é de extrema importância, mas não é o suficiente. Cabe ao profissional conseguir ouvir com sensibilidade o que está sendo proposto pelas crianças além deestimular situações eatividades que fujam do lugar comum, ao buscar outras referências eoutros modos do fazer criativo.
Fortalecer o coletivo
Outro ponto importante é o fazer coletivo, porque a coletividade é inerente ao teatro. De uma maneira ou de outra, nos relacionamos uns com os outros o tempo todo. Acredito que a fase escolar seja o momento ideal para se exercitar o trabalho colaborativo e a construção coletiva. É entrando em contato e em confronto com outras ideias, com outras propostas, que as crianças aos poucos percebem que a pluralidade de ideias é algo natural e saudável para o pensar. O diferente não significa nem melhor, nem pior, apenas diferente. E conseguir se relacionar de maneira tranquila com essa alteridade me parece ser o melhor exercício para se lidar com a diferença também fora da escola.
Explorar o ambiente
Proporcionar um ambiente seguro para novas experiências criativas os aumenta o potencial das crianças significativamente. É urgente e necessário desconstruir a ideia de “certo e errado” dentro das artes. Quando as crianças se sentem seguras para se expressar à sua maneira, sem pré-julgamentos, cria-se um ambiente em que elas se sentem valorizadas e consideradas. Consequentemente, sentem-se cada vez mais seguras para expressarem aquilo lhes faz sentido.
Os fins não justificam os meios
Considero importante também olhar para o trabalho cênico como um “meio” e não um “fim” do processo criativo. Considerar a apresentação como o “fim” é desvalorizar o processo como um todo, colocando em evidência apenas aquilo que se mostra. A apresentação é parte importante, mas é preciso que seja consequência desse processo. Quando um processo está focado apenas em apresentar algo “bonito” ou “interessante”, corre-se o risco de transformá-lo em algo vazio de significação. E um trabalho que não faz sentido para as crianças gera desconforto, insegurança, falta de vontade cuja construção provavelmente será muito difícil e penosa. Já quando a apresentação faz parte de um processo instigante, valorizamos o que se vivencia e dividimos essas experiências com outras pessoas. E na prática isso faz toda a diferença.
Considero que cada escola tem suas especificidades, assim como cada turma é bem diferente uma da outra e cada criança é única. Por isso, cabe a nós, profissionais, estarmos abertos à mudança. E estar aberto para isso que é diferente significa se questionar constantemente, colocando-se na figura do aprendiz, além de ter bases sólidas que dão legitimidade para o trabalho.
Com isso, estimular a autonomia criativa, além de proporcionar um ambiente seguro para expressarem suas vontades e desejos, é valorizar a curiosidade inerente as crianças, possibilitando assim a construção de um fazer artístico que faça sentido e que as torne agentes de transformação. Como atores sociais, não mais espectadores.
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